domingo, 27 de janeiro de 2008

Entraram mudos e saíram calados.

Chegaram àquela espécie de cantina totalmente calados. Rijos e frios, reciprocamente. Sentaram na primeira mesa à vista.
Havia um certo ar de constrangimento na mesa. Um olhar cortante, de acusação. Algo não estava certo. Pediram mais com gestos que com palavras e ele fugia daquele olhar lascivo acompanhando os passos do garçom, esperando que lhe trouxesse sua água. Seus olhos acompanhavam o funcionário da cantina como se nele estivesse sua única chance de absolvição.
De tempos em tempo volta-se para aquele olhar à sua frente que ainda lhe pedia a cabeça. Só para conferir. Havia fogo naquele olhar.
O garçom chegara com a água. Tinha pedido aquela água não por sede, nem nada do tipo. Queria tomar apenas um pouco de tempo. Sabia que suas chances eram mínimas e o garçom não lhe tinha entregue a liberdade. Olhava os outros clientes daquele estabelecimento decadente, buscava piedade talvez. Um rosto conhecido que lhe tirasse do raio de ação daquele olhar perfurante. Nada. Letreiros, cartazes, nada ao alcance dos olhos. Só aqueles outros olhos, que lhe tiravam o sossego, a calma e a dignidade.
Alguns minutos depois, naquele tempo um tanto quanto suspenso no ar, naquela angústia de réu confesso e intimidado, o garçom redentor lhes serve a comida pedida, requentada e de não muito boa aparência.
Agora aqueles olhos acusativos não lhe causavam mais aflição. Ambos de boca cheia o diálogo estava improvável.
Acabaram, pagaram a conta e continuaram na calçada. Lado a lado.
Entraram mudos e saíram calados.