domingo, 23 de setembro de 2007

Crônica

.....ainda do exílio

Interessante a necrofilia a que o brasileiro se apega tanto. Normalmente nos apaixonamos pelos mortos.

Enxergamo-na como uma vitória, uma consagração. Nenhum vivo é tão bom quanto qualquer morto. Brasileiro, me incluo nisso como ninguém. Definitivamente. Para mim: os bons estão mortos! Não há discussão sobre isso. Nem tem como haver.

Não há mais poeta como Vinicius. Não há mais músico como Jobim. Não há mais letrista como Chico Buarque – tudo bem, é uma exceção, mas ele vai ser melhor quando morrer! – nem instrumentista como Pixinguinha, nem roqueiro como Jim Morrinson. Nenhum realista como Nelson Rodrigues. Esse é um resumo da minha pequena mente saudosa. Passada.

O que vemos hoje são coisas que antes de ser, se tornam históricas, imortais. Incríveis. Toda semana tem um jogo histórico de futebol que na próxima semana será prontamente esquecido. Músicas inesquecíveis, que ninguém mais se lembra. Todos nós hoje fazemos uma força incrível para imortalizar tudo, sendo que o atemporal o será sem grandes esforços.

Talvez isso que nos encanta nos mortos, a atemporalidade naturalmente adquirida. Bem, voltando ao assunto então, por isso os defuntos são tão adorados, na minha insignificante opinião, claro. Eles são eternos.

Por outro lado, o que está morto não requer mais cuidado, não requer mais esforço para manter, não incomoda nem se modifica. O que está morto está lá no altar santificado. Esterilizado. A imagem que nos resta é normalmente agradável, afável.

É isso talvez me encante em Natal. Ela está morta. E, como disse, só tenho lembranças boas. Está morta e enterrada. E os tapurus começaram, obviamente, a devorar-lhe pelo cérebro.

É uma cidade entregue aos mandos e desmandos gringos. Sem vontade própria. Sem música própria. Sem cultura própria. Sem nada próprio. Sem gosto. Morta. Linda, como qualquer morta.

sábado, 22 de setembro de 2007

Lama no Rio

Há algum tempo, no exílio.....

Foi tanta lama que ainda precisei tomar mais umas cervejas para absorver a situação. Meus pés pesavam, aquela lama estuária. Já havia tempo que não escutava dessa forma aquele grito nordestino.

Eu queria caranguejo, carne de sol. Queria manteiga da terra e cerveja gelada. Queria feijão-verde. Ah, feijão verde, que saudade.

O primeiro prato foi Eddie. Antes, teve uma entradazinha em forma de uma bandinha intragável de maracatu. Sei lá o que era aquilo. Chamava-se Pixainho. A demora atiçou-me a fome - o sabor que lembrava do Eddie era do seu início, num bar lá na Doutor Barata, na Ribeira. Mas Metropolitano trouxe novos sabores, sabores ainda não degustados por mim naquela banda. Virgens. Não surpreendentes. Aprazíveis. Nada como um sambinha, junto com um rockzinho, com alusões a certos frevinhos, um pouco de eletrônico. Criativo. Instiga pensamentos. Escutei atentamente.

A próxima rodada foi de Mundo Livre S/A. Servido à vontade. Jogado na cara. A cariocada deliciou-se, esbanjou-se, nadaram a braço no som nordestino. Mas tive a impressão que o Mundo Livre está um tanto quanto paulista demais. Um certo quê excessivo de profissionalismo. Apesar disso, a banda mostrou nas suas músicas novas do BêbadoGroove Garagesambatransmachine, bastante apoiadas em SambaEsquemaNoise, Guentando a Oia e Carnaval na Obra, ainda uma boa dose de criatividade e sarcasmo, que lhes são característicos. Ritmo contagiante, cavaquinho marcante. A banda está com mais maquiagem e figurino, mas ainda soa bem. Instiga nostalgia. Escutei atentamente.

Elas trouxeram um pouco de Nordeste aqui para o Rio. Uma boa brisa na cidade maravilhosa que tanto faz falta, aqui no asfalto. Trouxeram um certo cheiro de tapioca.

Ê feijão verde.
Ê General.
Ê Brigitte.

Que essa brisa inspire nossos chefs e que eles tirem dos seus fornos-estúdios delícias nossas. Novas.

Ê feijão verde.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ariano e Calypso

Certa vez li um post num blog de Marlus Apys (www.apyus.com), blog muito bom inclusive, que me inquietou (ponto pro blogueiro). Pôs-me uma pulga atrás da orelha, para não dizer uma preocupação na cabeça. O título do post é “Quem é imbecil?” e foi publicado originalmente no JH Primeira Edição de 31/07/2007. Sugiro a leitura.

O post fala de um vídeo disponível no site Youtube em que Ariano Suassuna detona a banda Calypso. E o post detona Ariano Suassuna. E achei, por menos relevante que fosse, achei importante emitir opinião.

Pois bem, verifiquemos as partes: não sei quantos anos o velhinho tem, mas são muitos, muitos mesmos. É comum em todo ser humano resistência às mudanças, ainda mais no pessoal de certa idade. Isso se vê até em expressões como: isso não é Rooooock de verdade. O velhinho tem um obra literária e teatral ímpar. E quase a totalidade falando com franqueza de uma certa faceta do nordestino.

Já pela outra parte: quem teve a oportunidade de conhecer o carimbó que ainda é feito no interior do Pará, quem conhece um pouco da cultura verdadeiramente do norte, sabe da real distância disso para o que o Calypso faz. Isso eu, ainda que pouco, conheci e sei. O que dizer sobre os forrós atuais com os forrós pé-de-serra? O que se dizer do É o Tchan?

Apyus no decorrer do texto cita alguns versos da Bossa Nova em alusão aos versos criticados pelo escritor da banda paraense. É fato que os versos são pobres. Isoladamente. Vamos colocar os versos nas músicas e vamos colocar as músicas no contexto cultural da época. E agora? Chega de Saudade intitulou o primeiro disco da dita Bossa Nova, disco que causou um impacto tremendo nas bases culturais brasileiras na voz de João Gilberto.

É verdade, claro, que a banda Calypso tem seu mérito. Agora, esse mérito tem muito pouco do movimento punk, ao contrário do que é dito no blog. Foi uma banda, como tantas outras, fabricadas pela mídia, primeiramente a paraense e depois a nacional. Assim como Limão com Mel, Mastruz com Leite, É oTchan. A distorção que todas essas bandas geraram na sua cultura local é totalmente repugnante e dispensável.

Vi algumas palestras do escritor paraibano. Ele nunca se intitulou como popular, muito pelo contrário, disse claramente que não se considerava popular justamente pelo fato de que o seu público é justamente uma minoria e pela sua formação universitária. O assunto da sua obra é que é o popular.

Apyus pergunta no seu texto quantas crianças ainda dançavam ciranda. Em Natal eu não sei, cidade totalmente desenraizada. Mas dá um pulo aqui no Maranhão. Dá um pulo em Pernambuco. Vai lá no Rio de Janeiro. Dá para ter uma idéia que não são tão poucas assim. Nem todo lugar no Brasil tem vergonha de suas raízes como o natalense tem. E essa cultura riquíssima, que ainda vive em alguns pontos do Brasil, deve muito a algumas pessoas, uma delas é Ariano.

“Bactérias num meio, é cultura” disse certa vez um Arnaldo. Tentar criticar o que se escuta por aí é besteira. Valorizar, só porque é escutado, é uma besteira maior ainda. Deixem o velho pensar, pois ele pensa. Não se preocupem com isso. Deixem o Calypso tocar, que ele se acabará logo. Restando apenas uma gorda fortuna para os donos da banda, nada mais.