domingo, 25 de novembro de 2007

O gole

Havia pego a tulipa de chope apenas para ganhar um tempo antes da obrigação de resposta gerada por aquele comentário.

Através do líquido dourado conseguia ver um mundo diferente. A brincadeira dos feixes de luz dourados através do líquido, o fizeram transcender tempo e local, fizeram-no rever o passado em instantes e o futuro também.

Os rostos de infância, a liberdade de calçadas, muros e terrenos baldios, nada parecia com sua realidade. Mas o mundo dourado em que estava agora, mostrava-lhe um caminho.

As irresponsabilidades de rapazote e os amores rápidos, superficiais e físicos deixaram lembranças divertidas que aquela luz douradas insistia em trazer à tona. Quanta coisa. As irresponsabilidades atuais são tão diferentes, traiçoeiras.

As faces dos presentes à mesa, fixando o olhar, no aguardo de alguma palavra, transfiguravam-se através daquele eldorado líquido e de temperatura tão amena. Pareciam faces estranhas, narigudas e orelhudas, pareciam duendes de pele dourada. E aquilo o pressionava e assustava.

A possibilidade de um futuro sombrio, mostrado através do fundo espesso daquela tulipa, o fez esbugalhar os olhos, mas o caminho já traçado até agora podia não ter volta. Tudo lhe fazia muros de caminhos estreitos e abissais, como as ruelas antigas de São Luís.
O gole lhe desceu rápido e saboroso levando-lhe o último tanto de fantasia.

Bateu o copo na mesa:

- Fodam-se!

Alto e claro. E levantou-se quase tombando a mesa.

Quarto Escuro

Estava num quarto escuro, não sabia ao certo como teria parado ali. Não sabia nem mesmo se aquilo era um quarto. Estava num compartimento fechado e escuro, sem aberturas.

Recostava-se em um dos cantos, encolhido abraçando os próprios joelhos. Chorava copiosamente e a causa desse choro lavado era indefinida, no mínimo era uma lembrança turva e sem nexo de tristezas talvez passadas, talvez não. Chorava e abraçava-se nos joelhos.

Esboçou algum esforço para rastejar. Mesmo esse esforço parecendo-lhe descomunal, maior muito que suas possibilidades físicas, abriu bem os olhos, tentando perceber ao menos vultos, soltou os joelhos, que rangeram como dobradiças de ferro ao se moverem, mesmo que lentamente, e visualizou seu objetivo no breu absoluto: apenas mover-se.

Pelo canto arrastou-se, molhando a parede com sua vertente de lágrimas encostada a ela. Era seu rastro. Um longo período e uma pouca distância se passaram até que ele encontrou um obstáculo. Parecia de madeira, e de lei, espessa e bem polida. Em certos pontos, os prováveis adereços de uma cômoda, torciam-se formando fusos infinitos. Decidiu-se que naquela altura atravessaria o amplo espaço negro à sua direita, deixando a segurança da parede, mas transpondo a dificuldade do móvel. Lançou-se ao amplo negro, sem amarras e pronto para conquista.

Virou então em ângulo reto à direita. Parecia mais animado, ao menos parecia ter a coragem necessária para ir além. Ainda arrastando-se, agora sem choro, tocava, pouco tempo depois, os fios de uma espécie de tapete, tentava imaginar quais formas o tal tapete descreveria. Fixou em sua retina uma espécie de espiral. Algo sem fim nem começo, mas que, em sua retina, tinha uma profundidade infinda e o que entrasse na espiral rolaria até o fim dos tempos.

A poeira acumulada no tapete espiral incomodava-lhe, e muito, o nariz. Espirros o fizeram apertar o passo para se afastar daquele incômodo. Nessa fuga esbarrou numa espécie de banco, um tamborete, de madeira. Encarou aquilo como um degrau novo a superar. Ergueu-se e num movimento rápido, tão rápido quanto suas juntas entrevadas podiam deixar, quase num pulo, postava-se em pé no tamborete, que se mantinha rígido e impassível.

Neste momento algo pêndulo encostou-lhe à testa. Um fio de aço, que não era frio pois estava coberto com uma camada plástica, testou a fixação do fio, envolve-lhe ao pescoço e derrubou o tamborete.

Sentiu ainda por milésimos de milésimos de segundos algo quente escorrendo-lhe a pele.

A espiral encharcou-se.